sábado, 30 de novembro de 2013

Pedalar onde o bom senso diz não vá

Ontem tive que dar uma entrevista para a TV Câmara de Guarulhos. Fui pedalando. De minha casa até a Câmara de Guarulhos é algo em torno de uns 25 km, um pouco mais, sem grande problema. A questão é por onde ir depois de Vila Maria, Zona Norte de São Paulo e praticamente divisa com Guarulhos. Vila Maria alta e Jardim Japão; ou cruzar o viaduto de Vila Maria sobre a Dutra (no sentido da rua Bicicleta, Vila Guilherme) e pegar a rodovia? A dúvida me corroeu dia e noite anterior. Tenho menos medo do trânsito do que de perder a bicicleta num assalto. Assalto? Dizem que na descida para o Terminal de Cargas Fernão Dias, no Jardim Japão, onde há uma pequena favela, a coisa complica. Já passei inúmeras vezes por lá e nunca tive problema. Enfim, por onde ir?

A segunda questão é tempo de viagem, resolvido saindo bem cedo de casa, o que é um dos meus prazeres. Pedalar com os primeiros trabalhadores do dia, vendo a vida da cidade aflorando, faz bem. Posso até ouvir o “São Paulo”, do Cesar Camargo Mariano,  uma homenagem musical pouco conhecida e difícil de se igualar. O caminho por dentro de Vila Maria, em paralelo a Dutra, é um serpentear com leves subidas e descidas, não muito mais longo, mas bem mais demorado. E ai, e ai... Dutra ou Vila Maria? Por dentro é muito simpático, cruzando praças/parques, com uma variação de paisagens, arquiteturas, verde, pessoas e vida bem interessante. Por dentro tem sombra e muito menos poluição. As últimas vezes foi por dentro.
Acordei, café da manha, sai, fechei o portão no lusco-fusco, subi para a Paulista, desci para o Centro, meia pedalada e a Luz, parada para um expresso na Barra Funda, daí para o Pari, cruzei a Ponte de Vila Maria, enfim chego na encruzilhada. E ai, por dentro ou Dutra? Paro, olho para frente e para o lado, na avenida que dá na Dutra. Penso rápido: “Viva a emoção da Dutra. Dali até a saída em Guarulhos tem uns 8 km de estrada. Faz tempo que não pedalo com o barulho dos caminhões. Vamos lá!”

Conheço bem este trecho da Dutra. Dei consultoria para o projeto do sistema cicloviário de Guarulhos e fiz este caminho inúmeras vezes em carro e bicicleta. O problema de segurança do ciclista está nos acessos e saídas que são realmente muito perigosos, e mais uns trechos curtos onde não há acostamento, mas que não são um drama. Ir para Guarulhos pela Dutra é muito menos perigoso que voltar por ela para São Paulo. Na volta os motoristas estão em fim de viagem, cansados, irritados por que devem encontrar a Marginal Tiete congestionada, um prato cheio para se envolverem em acidentes.

Indo para Guarulhos, tirando a tensão de cruzar o acesso à Rodovia Fernão Dias, que é numa descida e os carros vêm muito rápido, e os trechos que não tem acostamento, o pedal é tranquilo. O ideal é sair da estrada assim que se chega em Guarulhos, ou na avenida Guarulhos ou na primeira passarela, um pouco mais a frente. A partir desta passarela o trânsito se adensa, não há acostamento, a coisa fica pesada.
Não recomendo a ninguém pedalar em rodovia conurbada, ou seja, em trecho de rodovia dentro de perímetro urbano. Eu pedalo por que tenho treinamento específico para este tipo de situação e faz parte do meu trabalho ver como está sendo usada qualquer via pelos ciclistas. Sou pago para isto. Há uma quantidade significativa de pedestres e ciclistas circulando pela Dutra, como por todas as estradas conurbadas, e a qualidade vida destes me interessa. Acredito que um dia chegaremos a ter calçadas e ciclovias em todas as estradas conurbadas.

Depois da entrevista, que ainda não está disponível na Internet, fiz o caminho para voltar por dentro, mas distraído acabei caindo novamente na Dutra. Acesso e saída da Fernão Dias são muito perigosos. A forma correta de cruzar um acesso ou saída de estrada é pelo caminho mais curto, ou seja seguindo pelo acostamento, quase parando ou parando, olhando para trás, e cruzando em 90 graus. Nunca! repito: Nunca siga em frente como se fosse um carro. Nunca! repito: Nunca fique no meio da pista. Os motoristas vindo a mais de 80 km/h não conseguem ver o ciclista. Esta é a principal causa de morte de ciclistas em estradas. Voltando ao retorno para São Paulo, o resto do trajeto na Dutra foi tranquilo por que eu, pedalando com calma, estava mais rápido que o trânsito congestionado. O cuidado ai é nunca ficar na lateral de caminhões em movimento. Fácil. Com cabeça e bom senso, bem vindo a São Paulo.
Cheguei em casa com a alma lavada, leve, feliz. O stress da semana foi tão bem lavado a alma que não tive sequer forças para trabalhar. Desliguei por completo, tive um fim de tarde tranquilo e dormi como um anjo.

Antônio Olinto, que já fez a volta ao mundo em bicicleta, o outro dia estava dizendo que hoje não se deve sair pedalando dos grandes centros, tanto pelo perigo do trânsito da estrada conurbada, como o de assalto ou mesmo latrocínio, que cada dia está mais comum. Lembrem que São Paulo tem índices de violência muito mais baixos que o resto do Brasil, mesmo assim não é recomendável em algumas estradas. Este trecho da Dutra é tranquilo, mas o mesmo não pode dizer dos primeiros quilômetros da Rodovia Ayrton Senna, paralela à Dutra, que tem ótimo acostamento, mas também bandido de todo tipo e da pior espécie.
Leia dicas de segurança de como pedalar na estrada em: http://escoladebicicleta.com.br/cicloturismo.html.

Um comentário:

  1. Nossa Arturo! Não repita essa loucura! Pedalar na Dutra ainda mais sozinho!

    Nos avise quando a entrevista for para o ar!

    Abraço!

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