terça-feira, 30 de julho de 2013

Quanto vale a vida no Brasil?

No domingo passado fez dois anos da morte de Vitor Gurman num hospital, cinco dias depois de ter sido atropelado por uma SUV descontrolada, em alta velocidade. Uma passeata com poucos participantes saiu da estação Metro Vila Madalena e percorreu as ruas do bairro até a rua Natingui, onde ocorreu o acidente. “Não foi acidente”, diz a palavra de ordem dos manifestantes. A lógica dos fatos é bastante clara, mas a realização da justiça não.
Faz umas duas semanas jantei com Myrian Araujo, mãe de Leonardo Araújo dos Anjos, 19 anos, calouro da FEA USP, morto num atropelamento sem nenhuma lógica. Tudo indica que Leonardo estava acompanhado por dois ou três estudantes da USP que simplesmente desapareceram. Sem estas testemunhas o caso não terá explicação. O que foi até aqui esclarecido não faz sentido. Myrian, como centenas de milhares de familiares, parentes e amigos, nunca saberá quais foram as causas que levaram ao acidente e a morte de seu filho.
Quando fui avisar minha mãe que minha irmã, Dinorah, havia morrido, minha mãe fez um longo e estático silêncio, quebrado por doloridíssimo “Não é da ordem natural da vida que uma filha vá embora antes da sua mãe”.
Fez parte de meu trabalho acompanhar e tentar entender as causas dos acidentes. Sem a verdade dos fatos que resultaram no acidente não há como prevenir novos mortes, acidentes e até mesmo incidentes. Apesar de muito agitado, com situações brutas sempre fui isento, calmo, racional. Como já contei mais de uma vez usei meus braços para confortar a chegada da morte, o que é, acima de tudo, uma sensação estranhíssima. Me acostumei com a morte, que passou a ser um fato natural, difícil, mas natural. Mas não a morte destes dois meninos, Leonardo e Vitor. Foi a gota d’água. Esta definitivamente não é a ordem natural da vida. Sai do eixo da racionalidade para sentir na pele a barbárie indescritível deste Brasil.
Chego à conclusão que a banalidade da morte violenta faz parte do caráter do Brasil. Como diz Alexandre Garcia “violência não é normal em nenhuma parte do mundo, como se costuma afirmar”. Aqui é. Nem em uma guerra é aceitável o que acontece todo dia aqui no Brasil. Aqui é. Mesmo uma guerra tem limites estabelecidos pelo Convenção  de Genebra. Aqui? O que é mesmo Genebra? Remédio?
Quando morei em Olinda, em 1986, fui naturalmente apresentado a um senhor baixinho, formal, tranquilo, bem educado, fala mansa, que ficava sentado num tamborete numa das entradas da cidade histórica. “Este aqui o seu João (não me lembro o nome real). Se um dia você precisar resolver um assunto grave, uma desavença, desfeita, chama seu João que ele resolve, até mata se for o caso”. Eu cai na gargalhada pensando que era mais uma piada de meu amigo Zé Carlos. Não era. Aprendi ali que a vida no Brasil vale menos que um peido.
Não me impressiona que uma manifestação contra o mais grave problema deste país tenha tão poucos participantes.
Afinal, por que mesmo as pessoas vão para as manifestações?

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