sexta-feira, 29 de junho de 2012

A imprensa falando de trânsito


Cada vez que leio uma matéria sobre trânsito de pedestres e ciclistas na imprensa brasileira tenho a sensação que o texto foi escrito por um motorista que por coincidência é jornalista. Diferente de artigos sobre economia, literatura, política, artes, crime e tantos outros temas específicos, que claramente são escritos por especialistas, pessoas que estudam o tema, sabem sobre o que falam, os textos sobre trânsito pecam pela pouca consistência. Pecam pelo precário conhecimento sobre a lei e ignorância das sutilezas da técnica viária e principalmente sobre as reais causas dos acidentes.

Jornalismo só existe se for investigativo. Mas, infelizmente, não é o que acontece no caso das bicicletas. Durante anos o mote foi ciclovia. Agora é capacete. Algumas vezes são os equipamentos obrigatórios (por lei), aos quais obviamente é acrescido o capacete, que não é obrigatório. Com uma rápida é possível descobrir que ciclovias por si só não resolvem a segurança do ciclista (e que em algumas situações até pioram); que a maioria das lesões na cabeça acontecem em áreas onde o capacete não cobre...;  que documentos oficiais de várias cidades do Canada, Austrália, França, dentre inúmeras outras, não deixam qualquer dúvida que capacete resolve muitíssimo menos (ou praticamente nada) do que o forte lobby da indústria faz crer...
Com um pouco de investigação é possível entender porque o brasileiro não tem refletores em suas bicicletas. Um pouco mais e se descobre que a curva dos acidentes é mais alta em período noturno e que refletores de fato fazem uma grande diferença. O problema está na abraçadeira. Como? Abraçadeira? O caminho para esta e outras respostas está nas bicicletarias. Bicicletarias? Ou melhor, na lixeira de cada uma das bicicletarias de periferia.

Por que ciclistas morrem nas estradas? Quanto é responsabilidade do ciclista, do motorista, da via, do projeto técnico, e dos veículos envolvidos no acidente? Como caminho para uma investigação fica a recomendação uma conversa com o pessoal que faz atendimento de pista. A bicicleta, o veículo, vai entrar na história. De volta à bicicletarias e bem vindo às entidades representativas do setor. Por que?
Como escrever um texto isento se por princípio o tema causa medo? Quem são os entrevistados para os assuntos da bicicleta? Especialistas em trânsito de veículos motorizados e transporte de massa, e ou cicloativistas. Ou técnicos de trânsito do próprio poder público, para quem a bicicleta é mais um problema. O que tirar das entrevistas se o assunto provoca medo no jornalista? Bicicleta é segura?
Somos todos pedestres. Durante décadas, e até hoje, a quase totalidade dos textos jornalísticos responsabilizaram condutores de veículos ou pedestres, sem qualquer análise isenta sobre questões técnicas e burocráticas, principalmente no que se refere ao conjunto de leis que diz respeito à responsabilidade de quem assina o projeto de uma simples faixa de pedestre e da via onde ela está pintada, por exemplo.

O posicionamento de uma faixa de pedestre é determinado por uma série de fatores, basicamente pelos fatores automóvel, pedestre e geometria da via. Está no manual. Ou um pouco mais: velocidade do automóvel, tipo de veículo circulando, largura e topografia da via, sinalização existente e necessária, tempo de cruzamento do pedestre... Ou ainda um pouco mais além: perfil psicológico dos condutores que trafegam pela área, influencia do meio ambiente local, interferência de placas de publicidade e de trânsito, tempo de reação dos condutores, posicionamento do olhar, tipo e qualidade do pavimento; quantidade, diâmetro e alinhamento de postes, qualidade da calçada... E algumas outras coisinhas mais. Dentre elas um fator sutil: fluidez. Fluidez! É o peixe mais difícil de ser pescado.

A imprensa brasileira tem sido crucial para a transformação deste Brasil. Nós brasileiros devemos muito aos seus profissionais. Mas, infelizmente, a questão do trânsito ainda é escrita por motoristas que acreditam estar fazendo jornalismo.

3 comentários:

  1. Fica difícil jornalistas não pensarem como motoristas num modelado para carros. Desde criança aprendemos a amar e respeitar o carro, quer seja brincando de carrinho ou evitando ser atropelado pelos "donos" da rua.

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  2. Arturo,
    Obrigado....você traduziu exatamente o que percebo desta situação, da condição do ciclista e do ciclismo.
    Além de jornalista (DE VERDADE!), um cronista de mão cheia. Acompanho seu blog desde quando estava na França. Parabéns.

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  3. Talvez cronista, se sou, mas infelizmente e com certeza não sou jornalista. Não tenho o tique do pessoal.
    De qualquer forma obrigado pelos comentários

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