terça-feira, 26 de abril de 2011

Manutenção da vida de um professor

O Estado de São Paulo
Fórum do Leitor

Sexta feira retrasada morreu, em razão de um engasgo, o emérito professor da FAU USP Murillo Marx. Participou de aproximadamente 300 bancas de graduação no Brasil e exterior, além de um currículo de 44 páginas, ainda desatualizado, de publicações, artigos e livros. Produção de qualidade considerável, segundo colegas.

Uma amiga fez um breve, mas apurado cálculo de custo de educação de uma filha até a entrada desta na faculdade e chegou a um valor próximo a R$ 1 milhão. É um erro pensar que um custo desta ordem recai somente sobre os pais. Recai sobre toda a sociedade. Inúmeros países, principalmente os de maior IDH, sabem da importância macro econômica de manter e preservar o valor da produção intelectual.

Morrer engasgado é fato mais comum que se possa imaginar, disseram funcionários do Serviço Funerário e IML. Acontece no mundo todo, mas a diferença é que em qualquer país civilizado há a obrigatoriedade de que estabelecimentos públicos recebam treinamento e tenham sempre alguém preparado para casos de emergência. Segundo um ex-professor da USP há uma lei no Estado de São Paulo neste sentido, mas esta ainda não é cumprida porque não se definiu quem dará este treinamento. Procedimento simples conhecido lá fora pela sigla “A B C” - falar com quem está se sentindo mal, colocá-lo em posição que facilite a respiração e procedimentos de manutenção enquanto a emergência não chega. Coisa básica que já é praticado em várias empresas.

Qualquer empresa séria dá o devido valor a seus funcionários e tem uma série de ações preventivas e de emergência que tratam de minimizar danos ou perdas humanas, que no fundo são patrimoniais. O mesmo deveria ser feito com funcionários, professores e pesquisadores públicos. O custo da perda de alguém como Murillo Marx é muito alto, quase absurdo, até para um estado tão rico quanto São Paulo. Não se fala aqui de “lucros cessantes”, mas do valor agregado de cultura e resultados que aqui no Brasil toscamente ainda é considerado intangível, mas espero não o seja por muito tempo.

Venho por meio desta pedir ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, médico de formação, e ao Magnífico Reitor da Universidade de São Paulo, João Grandino Rodas, jurista, que coloquem em funcionamento um sistema de prevenção e emergência para seus funcionários.

No caso da USP foi me dito que o Hospital Universitário da USP já tem um trabalho em andamento que deve ser estabelecido como regra.

Não se pode colocar um professor, que é verdadeiramente patrimônio público, ao sabor de uma falha de atendimento emergencial, no caso da SAMU, que depois de 10 minutos não apareceu; mesmo tendo bases a menos de 2 km do local de atendimento (Largo do Arouche). Como disseram depois: “Mente e chama os Bombeiros”. Chamado a PM, rapidíssimo o professor Murillo Marx estava na viatura para rapidamente percorrer os mil metros até a porta do Pronto Atendimento da Santa Casa e ser atendido. Não resistiu. Todos nós perdemos.

sábado, 23 de abril de 2011

Sobre o texto: Ciclovias e ciclofaixas ajudam a diminuir mortes de ciclistas

O Estado de São Paulo
São Paulo Reclama

Todo o jornalismo brasileiro, incluindo o do Estado de São Paulo, tem vícios sobre como investigar, ver e descrever a questão do trânsito de nossas cidades. É normal que assim seja porque no fundo somos todos iguais e jornalistas tem os mesmos vícios de qualquer outro cidadão que viva numa sociedade construída pelo e para o automóvel, principalmente o particular. Mas jornalistas estão ai para prestar um serviço à sociedade e ir mais fundo nos fatos na busca da verdade. Mas vício enraizado é muito difícil de ser percebido e vencido.

Mesmo depois de mais de uma década de intenso crescimento do uso da bicicleta como veículo de transporte, ou melhor, da bicicleta se tornar visível aos olhos de uma classe média encastelada em suas manias, o entendimento do fato em geral é simplista e não raro distorcido; o que se reflete nos textos dos jornalistas, que também fazem parte desta mesma “média”.

Renato Machado fez um bom trabalho como jornalista na matéria “Ciclofaixas e ciclovias ajudam a diminuir mortes de ciclistas”, mas acredito que ficou satisfeito com o ponto onde a história pareceu fazer sentido, um mal da imprensa brasileira cada dia mais pressionada por resultados e sobrevivência. A queda do números de ciclistas mortos nestes últimos anos decorre de uma serie de fatores, os quais estão em parte relacionados na matéria: aumento de ciclistas nas ruas, costume do motorista com esta novidade, ciclistas mais preparados, reflexos positivos tanto da experiência da classe média na Ciclofaixa de Domingo como nas ciclovias recentemente entregues, como aponta o batalhador da causa André Pasqualini.

A CET SP talvez seja no Brasil um dos pouquíssimos órgãos que tenha números sobre acidentes de trânsito, mas seus mais abnegados funcionários devem ter consciência que coleta de dados e pesquisa para valer em terra tupiniquim é desinteressante para pajés e caciques. A verdade dói. O que se tem nos melhores dados é uma visão parcial da situação. No caso das bicicletas não existe perícia técnica sobre o veículo. Indo um pouco mais longe: há perícia de qualidade para automóveis, motocicletas e outros veículos motorizados? Voltando às bicicletas: quem vive no meio sabe que boa parte dos ciclistas sofre acidentes por falha mecânica da própria bicicleta. Técnicos de concessionárias de rodovias falam a boca pequena que pelo menos 35% dos acidentes tem por causa a bicicleta. Há quem, também a boca pequena, diga que estes números devem ser muito maiores.

Números antigos da própria CET SP mostram que a maioria dos acidentes acontece em vias de trânsito pesado, ou seja, quando o ciclista está em contato com veículos grandes: ônibus, caminhões, vans. Ou seja, o pequeno porte do conjunto bicicleta - ciclista o torna quase invisível no trânsito. Dependendo da área, principalmente em periferia ou bairros mais pobres, e da necessidade de viagem realizada pelo ciclista, não há alternativa a não ser usar vias saturadas, muitas delas estreitas, algumas de trânsito rápido (e criminoso). Há ainda a estrada conurbada. Ciclistas pedalando nestes locais é muito mais comum que se possa imaginar. O ciclista trabalhador se vê perante a opção de ir e voltar do trabalho correndo certo risco ou pagar caro e ficar horas encalacrado em ônibus de baixa qualidade. Os riscos do pedal são mais interessantes. Por outro lado ciclista operário sempre foi invisível. De certa forma continua assim. É mais fácil enxergar os iguais.

Os mesmos números da CET SP mostram que a maioria dos acidentes acontece no lusco-fusco. Por lei, CTB, toda bicicleta deveria portar refletores na frente, atrás, nas rodas e pedais, o que raramente acontece porque a qualidade do produto brasileiro é ruim e muito frágil, logo cai e desaparece, portanto inútil. O ciclista é invisível porque está invisível de fato. A importância do refletor pode ser comprovada no resultado do simples e brilhante trabalho realizado por algumas concessionárias que adesivaram as bicicletas com restos de refletivos das placas de sinalização. O trabalho é bem conhecido entre técnicos. Mas quem acorda às 4h00m para bater ponto? Às 9h00 o ciclista operário está trabalhando.

O título da matéria pode se entender, mas é de entendimento perigoso, distorcido ou, para quem vive o assunto, cômodo. Provavelmente sem má fé. Deveria o autor da matéria ter procurado saber “o que mais?”. Num bom linguajar deixa sensação de ter se limitado ao que todos acham: ciclovia e ciclofaixa é sinônimo de segurança, a esperança de qualquer ciclista. Será mesmo?

O que corre nos bastidores, mesmo entre os defensores e usuários de ciclovias e ciclofaixas, é que tem havido acidentes com bem mais freqüência que o se poderia esperar. Diz que diz? Poucos sabem e menos ainda são os que querem aceitar que ciclovias não são completamente seguras e que nelas há acidentes, graves inclusive. Tivesse o jornalista ido atrás descobriria o que realmente acontece na ciclovia do Parque Ibirapuera, ou de qualquer outro parque. No PA do HC teria outras notícias. Não é difícil ter relatos sobre a aderência da Ciclovia do Rio Pinheiros. Ou no custo e da inutilidade da Ciclovia Radial Leste. Ou ciclovias existentes abandonadas. O número de ciclistas que por causa da Ciclo Faixa de Domingo acredita que o correto é pedalar a esquerda de avenidas. Ou saberia sobre as histórias dos bandeirinhas e marronzinhos. Houvesse ido fundo provavelmente não teria colocado o título “Ciclofaixas e ciclovias ajudam a diminuir mortes de ciclistas”, uma frase a beira do leviano para a realidade paulistana.

São Paulo é uma das cidades mais ricas do planeta, mesmo assim vem vivenciando há muito números de guerra no trânsito. A postura de toda imprensa sobre o assunto, nesta e outras paragens brasilianas, é minimamente simplista. Vide o que está publicado sobre o drama de motoboys ou sobre o genocídio de pedestres. Na maioria dos textos recai nos próprios a culpa pelo acidente. Não se coloca nunca a responsabilidade legal das autoridades estabelecida pelo CTB, não se faz uma avaliação mais profunda das reais causas, sobre falha técnica, má fé urbanística e outros fatores. Sempre o mesmo discurso da mesma panela. A matéria se repete e os mortos com ela.

No Brasil caótico que vivemos só nos resta a imprensa como luz. Se mesmo ela se curva ao trivial.....

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Exemplo de Parelheiros

Toda esta história está um tanto distante e o que conto aqui já não passa de uma ficção baseada na realidade.

Um dia estávamos numa reunião e veio a notícia que o Sub-Prefeito de Parelheiros havia cansado de tentar resolver a questão das bicicletas e decidido que faria uma ciclovia com ou sem a CET (SP). A notícia caiu feito uma bomba porque aquela era uma vontade que a cada dia se agigantava em cada coração. Até então, 2006, praticamente todos os projetos relacionados à bicicleta e seu uso em São Paulo - ciclovias, ciclofaixas, ruas de lazer, passeios e outros - haviam morrido dentro da CET. A justificativa era sempre mais ou menos a mesma, que mesmo não lembrando mais exatamente as palavras, é algo como “é necessário ver muito bem a segurança do ciclista”...; e a partir daí não se fazia mais nada. Confessado entre paredes a razão para a falta de ação sempre foi o medo que se fizessem algo eles, a CET, seria responsável por qualquer problema; o que hoje sei que é uma tremenda balela. Morrem uns 750 pedestres/ano na capital paulista e, infelizmente, desconheço quem tenha entrado na justiça contra a CET. É fácil provar besteiras e inépcias deles. Aliás, todo mundo erra, somos humanos, inclusive eles. A diferença é que eles se dão o direito à omissão de responsabilidade e ninguém faz nada. Governantes, servidores, vereadores e a população simplesmente se calam; vergonhosamente. Vergonhosamente por que o silencio vem da ignorância de todos, inclusive e principalmente dos ditos educados, aqueles que deveriam dar exemplo.

O mesmo discurso vem se repetindo a décadas. Quantos projetos perdidos, esquecidos, jogados no lixo. Quantos! Vocês não imaginam quantos.

A curta ciclovia de Parelheiros foi logo concluída e entregue à população e não demorou muito para começarem os acidentes. Lembro de ter ouvido que um ciclista acabou morrendo. A CET foi chamada para dar jeito e furiosa não poupou críticas à forma como fora realizado. Foram lá e sinalizaram. Então começava uma discussão interna sobre a atitude do Sub-Prefeito, com boa parte dos ciclistas, vereadores, funcionários públicos e até mesmo uns tantos de primeiro escalão, oferecendo brindes, “urras!!!!!” e apoio à ousadia; e outros dizendo que aquela não era a forma de resolver, que tudo tem seu tempo, que a CET sabe o que faz, e que uma hora esta mesma CET aprenderia como lidar com a questão da bicicleta e os processos seriam mais lógicos, fáceis, rápidos.

Hoje, nos mesmos corredores, cada dia menos gente dá seu apoio à CET e cada dia mais se ouve quem prefere mandar que as coisas sejam realizadas da mesma forma que se fez em Parelheiros. Ou não sai do papel. Muito tem sido feito nesta base, o que também é um erro. Quem manda no trânsito é a CET, isto é lei federal e este poder não se deve tirar do órgão responsável pelo trânsito – até que alguém encontre uma saída e decida mudar a lei de responsabilidade técnica. Fazer trabalhos em paralelo é sempre um erro; um dos principais entraves do progresso deste país. No caso da CET é um jogo de poder, quando não de vaidades, o que na coisa pública é ridículo.

A meu ver o que está errado é a CET continuar com uma visão sobre vida na cidade, trânsito e mobilidade anacrônica, cada dia menos apropriada e até mesmo honesta para todos, incluindo eles próprios. É lógico que há uma pressão social muito forte para que eles mantenham o “status quo”, que deve ser levado em conta. O paulistano, aliás, o brasileiro quer brincar de “bibi-fonfom” com seus carrinhos dados pela política populista e absolutamente irresponsável de equilíbrio da economia via diminuição de impostos. Acredito que a CET está se encurralando porque se recusa a ver a nova cidade e a montar um setor que realmente atenda às demandas de pedestres, ciclistas e pessoas com deficiência, o que é dever legal. Eles são sim responsáveis pelo trânsito de todos, não só motorizados. O que eles têm hoje para “não motorizados” é bem definido pelos números de acidentes fatais divulgados pela própria CET e que provam, sem sobra de dúvida, que eles só são “amigos” do fluxo de veículos motorizados. O resto que se dane.

O Estado de São Paulo, 29 de Março de 2011 / Cidades / Metrópole / C7