quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A porta giratória no país dos bananas

O barulho é muito parecido com o de uma pedra que passa perto da orelha, mas a velocidade de aproximação e passagem foi surpreendente. Faz um “sszzZZUump!” e deixa um leve sopro. Demorei para entender que aquele homem que corria em minha direção tinha na mão uma arma automática das grandes e que havia disparado contra minha cabeça. Atrás dele vinha o segurança de uma agência Bamerindus com arma em punho. Matar para pegar uma bicicleta para fugir é ou não um pouco exagerado?
Parei a bicicleta na porta do Itaú da esquina da rua Augusta com Lorena, um dos pontos mais chiques e movimentados de São Paulo. Tranquei a bicicleta, fui para a porta giratória e os seguranças, que me olhavam de bicicleta desde o outro lado da rua, travaram a porta. “Por favor tire celular, chaves, moedas....” Votei para trás, tirei tudo o que tinha de metálico e tudo mais e voltei para a porta, girei a porta que de novo foi travada. Voltei novamente para trás e procurei o que faltava nos bolsos. Nada. Nova tentativa na porta e de novo a mesma coisa. Tirei a camisa, girei o corpo, levantei a bainha da calça e mostrei que não tinha nada no corpo. Porta travada. “O sistema de segurança diz que o senhor está carregando algo...” Tirei completamente a roupa, chacoalhei tudo e a porta se destravou. Talvez tenha sido a bicicleta porque na época não era coisa comum, mas vai saber...
Há uns dias transformaram a habitual agência Unibanco da av. Vital Brasil em Itaú e os seguranças de sempre deram as boas vindas travando a porta. Infelizmente não tenho dados sobre assaltos em bancos, mas duvido que uma porta giratória faça diferença sensata. O que estas portas dizem para todo cliente é que o banco Itaú considera que todo e qualquer cidadão que queira entrar em suas dependências é uma ameaça potencial. Pode-se fazer a leitura desta situação por outro ângulo: o maior banco do país age assim porque seus clientes aprovam. Cada um de nós aceita ser tratado como possível criminoso em nome da própria segurança. Não é genial?
Não precisa ser nem um pouco esperto para sacar que a forma que trabalhamos a questão da segurança literalmente não funciona. Até um imbecil percebe que a coisa está cada dia mais quente, mas são poucos os cidadãos que querem discutir a coisas com seriedade e conhecimento de causa. Acreditar em besteira é o maior perigo e parece que estamos na besteira há algumas décadas e centenas de milhares de mortos, incapacitados, violentados e outros adjetivos mais. Ou serão substantivos?
Bala perdida? O que está perdida é toda a sociedade brasileira. Toda bala tem remetente e endereço certo. Há alguns anos os mais histéricos achavam ofensivo usar a expressão “república de banana” para criticar a situação de então. Imagine só, bons tempos aqueles a coisa tinha outros tons. Era uma baderna colorida, muito menos ofensiva e perigosa que esta de hoje. Pelo menos não tínhamos uma guerra civil correndo solta. Oficialmente é algo em torno de 45 mil mortes violentas / ano, número que poucos países ou regiões do mundo conseguem superar, incluindo ai a guerra do Iraque. Iraque aqui é de araque. Este número é oficial, portanto tem uma distorção porque só conta os que morrem no local e não conta quem morre depois no hospital, além de não incluir mortes no trânsito, que são mais 35 oficiais.
Pequeno delito plantado hoje será a erva daninha de amanha. Estamos colhendo as omissões e mentiras do passado, crenças medíocres, bobagens, asneiras, burrices.
Especialistas sobre segurança pública afirmam que ou há segurança para todos ou não há para ninguém. Aquela porta de segurança e outras coisinhas mágicas só servem para melhorar o bolso de uma minoria que ludibria quem quer ser ludibriado. Com todos estes sistemas juntos a coisa só piora para todos. Acreditar na carochinha é tão bom, não é? O sonho de uma mãe (real) de classe média é ganhar na mega sena para poder ter três carros importados: um para ela e o filho passearem e dois para os seguranças. Ela reflete o que uma imensa parcela da população pensa: “eu quero a minha segurança, o resto que se dane”.
Que país é este onde um homem chamado Tim Lopes, essencial jornalista para todos e cada um de nós, é colocado num “micro ondas” e torrado vivo? Ler a notícia hoje - http://www.timlopes.com.br/casotimlopesmobilizatodoopais.htm - e saber que absolutamente nada aconteceu provavelmente não faz nenhuma diferença. E João Hélio - http://oglobo.globo.com/rio/mat/2008/01/25/morte_do_menino_joao_helio_chocou_pais-328201790.asp, que diferença fez? Devo eu continuar? Quantos? Que diferença faz? A passeata pela paz promovida depois de João Hélio ter sido arrastado por 6 km por ruas de bairros levou ás ruas um punhado de pessoas e morreu ali. Como alguém tem coragem de resmungar perante as câmeras das TVs que a violência está descontrolada e que não pode viver mais assim? Aliás, para que derramar lágrimas momentâneas de pavor? Guarde suas lágrimas para algo mais interessante porque estas ironicamente parecem de crocodilo. Ou aja! Deixe ser banana.
Em Amsterdã são roubadas 150 mil bicicletas a cada ano. Sim, é isto mesmo. Mas não se assuste, eu escrevi “são roubadas” e não assaltadas, houve latrocínio ou outra expressão jurídica criminal sangrenta qualquer tão trivial por estas nossas paragens. Amsterdã é perigosa? Definitivamente não! O que não se pode é dar bobeira com a bicicleta. Igual em Nova Iorque, Paris, Londres, Barcelona e tantas outras maravilhosas capitais. A diferença aqui é que vêm quatro garotos e não se satisfazem em assaltar duas ciclistas e seu acompanhante. Fazem questão de espancá-los com brutalidade até deixá-los quase desacordados. Orgulham-se de sair do local com calma, conversando tranquilamente, certos de que o dever foi cumprido.
No Brasil não é permitido denunciar, cagüetar ou dedurar, como faz questão de dizer esta gente de boa fé que se diz muito preocupada com o social. Telhado de vidro é triste. Nossa desorientação é tamanha que não sabemos mais buscar o caminho da lei, do legal, do honesto, e principalmente do funcional para todos e para si próprio. Só dá resultado se é para todos e isto é social. Quem tem medo de denunciar o outro é porque tem rabo preso ou é covarde. Vale aqui fazer uma referência ao artigo de Dora Kramer no Estadão de sábado, 24 de Outubro. Leiam.
Se um motorista de ônibus erra, todos motoristas de ônibus sempre erram, todos serão sempre culpados, todos são criminosos, e as latarias de seus veículos, também veículos de trabalho, terão de ser chutadas. Mas que nos importa se um de nossos iguais age assim? Ele é um dos nossos iguais, portanto merece mercê. O fio da meada começa no trânsito e termina na nossa vergonha nacional de cada dia ou ao contrário. Começa ou termina na nossa pele. Depende se você ajuda a comprar a bala ou se tomou um tiro.
O cidadão que fica travado na porta de vidro do grande banco não pode ficar furioso com os funcionários, nem com os diretores. Ele tem que é que chegar em casa e olhar-se no espelho.

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