terça-feira, 18 de agosto de 2009

Dor de barriga

Meu pai sempre diz que depois dos 50 (anos) se você acorda sem dor é porque está morto.
Escrevi esta frase há uns 4 dias atrás porque estava com uma ligeira dor de barriga e a idéia era falar sobre sentir-se bem. Mal terminei de digitar a frase larguei às pressas o teclado e o que aconteceu nas 20 horas que se seguiram foi um horror não merece descrição, mas vocês bem podem imaginar. Umas 36 horas depois, mesmo ainda muito fraco, consegui sentar na cama com força no corpo suficiente para ficar estável e ver pela janela a maravilha do límpido azul do céu de inverno senti mais uma vez um pequeno renascer. Sentir-se vivo é algo muito intenso que só percebemos quando passamos por algo que nos mostra nossa real fragilidade.
A vida se abre para quem quer vê-la em um strip tese fragmentado. As peças do quebra-cabeça nos são entregues em mãos como por ato de ironia. Vê quem está disposto e também vê quem não quer ver. E se não viu, não percebeu nada, desculpe, mas procure ajuda ou se cale para sempre. É um strip tese sagrado, abençoado, surpreendente, a cada peça único.
Descobri efetivamente o que é a vida no dia seguinte ao que tive uma overdose e apaguei para valer. O que se supõe é que o fumo zerou minha glicemia e cheguei ao que é conhecido como “pequena morte”. Mesmo as apavorantes 4 pré-comas glicêmicas que tive pela vida, causadas por situações que não entorpecentes, não foram tão marcantes. Sou diabético o que explica as situações. Lembro que no dia seguinte a minha pequena morte parei num jardim e olhei aquilo como houvesse descoberto a vida. O óbvio está grudado na ponta do nariz e não enxergamos. A vida é muito mais simples, rica e divertida do que nos forçamos a querer ver.
A dimensão da pequenez e fragilidade humana só fui ter quanto estava em alto mar, há alguns dias de distância da terra, sem interferência de luzes urbanas, numa noite de lua nova e mar relativamente calmo, depois de um dia inteiro sem ver ou ter nada além das águas e suas vagas, e um céu que simplesmente passava levemente nublado. Foi um dia de solidão imensa e silêncio entre todos do navio cargueiro. Deitado no deque superior, ao balanço do mar, por horas e por horas atento à noite, já sem nuvens, e quanto mais meus olhos se adaptavam mais e mais apareciam estrelas, planetas, asteróides, cores brilhantes, formas, um universo sem fim, quieto, maravilhoso, de fato infinito. Sabia que era assim, mas nunca havia vivenciado tantos pontos luminosos. Somos insignificantes.
Não faz muito tempo, voltando pedalando para casa por uma rua tranqüila, tive um surto de pânico causado por stress. A coisa funciona mais ou menos assim: você está bastante cansado, acredita que tem a situação sob controle e sem mais nem menos “clique”, a massa cinzenta ou desliga ou entra num outro parâmetro. Experiência horrorosa. As referências mudam completamente. A sensação de estar sobre uma bicicleta a uns 30 km/h me foi desvendada pela síndrome do pânico. Hoje tenho uma referência mais precisa de como se sente um aluno tentando se equilibrar numa bicicleta pela primeira vez na vida. É maravilhosamente assustador. Em estado normal não percebemos que a bicicleta acaba nos levando a um vôo rasante controlado. Por isto faço questão de ensinar traumatizados a pedalar. Ver seus rostos emocionados depois do primeiro vôo, primeira pedalada, é sentir o prazer não só que se está vivo, mas que se está dando vida.

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