quinta-feira, 16 de julho de 2009

“Pelo menos fez algo”?




Como assim “Pelo menos fez algo”? Como podemos permitir que qualquer ação incompleta ou precária possa ser considerada um avanço, uma realização? Onde fica nossa dignidade? Onde fica nossa vergonha? “Pelo fez algo” é uma frase que pode ser traduzida como “imbecil”. E para que os ânimos não se precipitem com o termo aqui vai o link do Michaelis para tirar qualquer dúvida: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=imbecil . Pense bem e com calma, “Pelo menos fez algo” é muito mais ofensivo que o termo “imbecil”, mesmo quando imbecil é usado de forma, ofensiva, bruta e pejorativa.
Quando se fala sobre melhorias de segurança e conforto para os usuários da bicicleta muito se fala, diz e repete “pelo menos fez algo”. Como dói! Bicicleta e ciclista é a categoria mais premiada com o “pelo menos fez algo”. Ciclista é um tipo de cidadão que pelo menos aceita qualquer coisa. E ai o resultado é satisfatório para todas as partes. Não é ótimo? Para o político pelo menos provavelmente valerá votos. Para os técnicos responsáveis pela assinatura do projeto o resultado pelo menos é uma vitória que “pelo menos” dá para disfarçar a absurda lerdeza e ineficiência da coisa pública. Pelo menos isto. Para a população no geral pelo menos parecerá um milagre. Pois fiquem de joelhos, que pelo menos esta é sua salvação.
Há no Brasil uma distorção do que é e para o que serve a coisa pública. Como há uma distorção do que é qualidade, do que deveria ser os efeitos das coisas públicas em nossas vidas. Falta noção mais refinada do que é coletivo. Há uma falta de noção do que merecemos de fato como grupo e principalmente como indivíduos. Aliás, a uma falta de noção do que nos é devido, a cada um de nós, e do que devemos. Do que me devem, do que lhe devem. Sim; do que LHE devem, ou seja, o que devem a você, sim você que está lendo estas linhas. Sim, eles devem a você. Eles que fazem parte da coisa pública tem a obrigação legal fazer bem, com qualidade e perenidade. Está na lei. Mas nada está perdido porque pelo menos para algumas coisas parece que fomos alfabetizados.
Ao que tudo indica os maravilhosos exemplos de coisa bem feita, de resultado, de qualidade, do melhor que temos neste país parece que simplesmente não servem de referência. São ilhas isoladas e porque não dizer inexploradas pela consciência brasileira. Um único exemplo? Que tal o Trans Mileniun de Bogotá? Como? Bogotá, Colômbia, aquela cidade daquele país que fala espanhol que hoje serve de referência internacional em revolução de transportes. E que tem em sua base o que? Vamos ver se você adivinha? Em Curitiba. A maior revolução urbana e de transportes do planeta, que é Bogotá, tem sua base na tecnologia brasileira, ou melhor, curitibana. Mas quem de nós brasileiros se interessa? Pelo menos alguns sabem e se orgulham do fato.
Coisa pública é de ninguém, é ruim, é precária? Não é esta nossa história, nosso cotidiano? Nós damos provas cabais diárias de falta de cidadania e individualismo. Pelo menos boa parte da população declara em alto e bom tom que o jogo é este mesmo: coisa pública é de ninguém.
O que parece correto
É absolutamente possível fazer o correto, fazer o durável, fazer o bem feito, fazer o que de fato tem que ser feito para a população específica que vai usá-lo, e de preferência fazer exemplo, fazer referência, fazer inteligência. Nosso passado prova isto. A coisa pública funcionou, nós tínhamos resultados bons, qualidade, usabilidade, eficiência, beleza...
Mas eis que um dia passamos a aceitar o “pelo menos fez algo” e confirmamos nossa aceitação elegendo os reis do “faz algo”, os reis de outrora, nossos algozes desde então e o ranço nosso de cada dia atual. Viva o Minhocão! Para quem não é de São Paulo fica a explicação que o Minhocão está metido no meio da capital paulista. O resto é para quem tem interesse e sabe das coisas.
A realização de qualquer coisa que vá mexer com a vida pública tem efeito ou irreversível ou reversível com um custo alto, para o bem ou para o mal. Um grupo social, a população de uma região, um bairro, uma cidade, um estado, um país, enfim, qualquer grupo muito numeroso de cidadãos, tem reações que podem ser comparadas com as de uma composição de trem em movimento. Se entrarem num desvio errado até parar o “trem” (aqui uma expressão mineira que quer dizer “a coisa”) e voltar para trás vai tempo, espaço e muita energia. Para evitar que estes desvios impróprios aconteçam é vital que tenha um planejamento baseado em experiências reais e na qualidade para manter o trem na linha correta. Esta é a função da coisa pública: manter o trem social na linha correta e conseguir os melhores resultados possíveis. Se não a história vai para um caminho errado e os passageiros do “trem” ficam cantando vitória porque “pelo menos não descarrilhamos”, mesmo com a composição tombada e muita gente.
Se não quer pegar o trem, siga a pé e depois de caminhar em calçadas precárias, ou inexistentes, ou simplesmente não ter onde caminhar, ou não conseguir cruzar uma rua, chegue em casa e pense “pelo menos cheguei”. Uau! Chegou?
A desconstrução do Brasil é o “pelo menos” nosso de cada dia. “Pelo menos” só morrem 35 mil pessoas ano em acidentes de trânsito, e “pelo menos” 45 mil de morte violenta, e Graças a Deus nosso problema é só uma marolinha.
Vamos lá, pelo menos tenha auto-respeito e auto-piedade!

2 comentários:

  1. Vejam este artigo, tem a ver com isto que o Arturo postou:
    http://www.medplan.com.br/materias/3/23733.html

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